segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

MANUAL DE FÉRIAS DO BOLEIRO: MUITA ÁGUA, ALIMENTOS LEVES E EXERCÍCIOS

Por Jessica Mello - Rio de Janeiro postado no globo.com 

Há uma semana, iniciou-se o período mais esperado por grande parte dos trabalhadores: as férias. Para os jogadores, é no mês de dezembro que viajam às suas terras natais, aproveitam o tempo em família, reencontram os amigos. Conhecer terras estrangeiras também está no pacote. Porém, o atleta não é um profissional como os outros. Divertir-se é preciso, mas não se pode ir com muita sede ao pote. Churrasco todo dia, cervejas aos montes, relaxar por demasia não está no cardápio. Para quem ganha a vida a partir do seu preparo físico, é necessário cuidar dele para voltar bem em janeiro a seus respectivos clubes e dar início às pré-temporadas. 
O GloboEsporte.com ouviu uma nutricionista, um preparador físico e um ex-jogador para formar um "manual de férias" para o boleiro. Um ponto é comum a todos: é preciso consciência. Sem ela, cobrar ou impor regras de nada adianta. Além disso, ingerir muita água, comer alimentos leves e praticar exercícios está no roteiro. É permitido uma cervejinha aqui, outra lá, ou uma comida um pouco mais calórica. Mas sem exageros. Durante as férias, é comum se permitir comer alimentos mais calóricos, provar restaurantes novos, ingerir mais bebida alcoólica. Não para o jogador de futebol. É verdade que não é preciso seguir a dieta do ano com a mesma rigidez, mas não se pode fugir dela por completo. 

Para a nutricionista Rossana Torales, do Boavista, o principal é tentar manter todas as seis refeições do dia (café da manhã, lanche, almoço, lanche, jantar e ceia) para não perder massa muscular e ingerir bastante água para se manter hidratado. Nos alimentos, evitar os industrializados, como fast foods e embutidos, frituras e excesso de açúcar. Nas bebidas, os gaseificados e alcoólicos. Preferir frutas e verduras no dia a dia. - Recomendo também diminuir a quantidade de carboidratos simples, uma vez que vão trabalhar menos e se exercitar menos. Trocar por carboidratos integrais, cereais, arroz integrais, pães integrais, massa integrais... Nas bebidas, o ideal seria beber vinho, até uma taça. Mas cerveja... até duas latas, e só no final de semana - explica. 
Para Rossana, o mais importante é conscientizar o jogador de que é importante que ele mantenha a alimentação saudável mesmo no período de descanso. - Quando se proíbe, aí é que eles querem mais. É uma questão de conscientização. Eles estão de férias também... Só não pode é exagerar - avalia. No caso de alguns jogadores que tem o biotipo mais propenso a ganhar peso ou com dificuldade para perder, Rossana afirma que a dieta tem de ser seguida. Não é permitido escapar nem nos finais de semana. É preciso disciplina para chegar ao objetivo final, que é de estar em forma para poder desempenhar da melhor forma o seu trabalho. - Nesses casos, tem de manter a dieta. Não está liberada a cerveja, nem o biscoitinho. Só depois que conseguirem atingir o objetivo. É preciso manter a disciplina - diz. Sem deixar os exercícios de lado aliado à boa alimentação, o jogador não pode deixar de lado o exercício físico durante as férias. E quanto mais perto for chegando da data de reapresentação ao clube, mais intensa e frequente deve ser a atividade, de maneira a poder recuperar 100% seu condicionamento durante a pré-temporada. 

Chegar despreparado em janeiro pode custar até uma lesão ao atleta. De acordo com o preparador físico Paulo Paixão, que esteve à frente da área com a seleção brasileira na Copa do Mundo deste ano, as recomendações não podem ser padrão para todos, uma vez que cada jogador tem um biotipo diferente. Há os que vão precisar se cuidar mais e outros que se condicionarão rapidamente na pré-temporada. - Tem jogador que, quando começa a pré-temporada, tem a facilidade de se condicionar fisicamente mais rápido do que os outros. Alguns tem metabolismo diferente. Então tem de ter uma recomendação diferente. Os que tem mais propensão ao sobrepeso, tem de fazer um exercício como que dia sim, dia não - afirma, completando: Quando chega a hora das férias a gente diz "Ó, pessoal, férias! Você, ó, já sabe, a partir de tal dia tem de começar uma caminhada, depois uma corridinha, um abdominal"... 
Mas tudo depende do caso de cada jogador. O Léo Moura, por exemplo, mesmo com a idade (36 anos), tem um linear alto, uma capacidade orgânica muito boa e não tem problema de peso. Então, o Léo se apresenta e tem uma facilidade de se condicionar muito rapidamente. No antepenúltimo treino do Flamengo na temporada, em 4 de dezembro, quando 13 de seus jogadores já haviam sido liberados para as férias, o preparador Antonio Mello falou sobre o assunto. E disse, em oposição, que é contra qualquer tipo de "cartilha" para os atletas no período. No entanto, repassou uma "orientação especial" para o lateral Anderson Pico, que tem um histórico de problemas com a balança e ainda precisa perder peso. - Sou totalmente contra. O jogador não pode cumprir uma determinação em um momento de lazer. Não quero me enganar, não tem cartilha. A recomendação é que joguem futevôlei, bebam, passeiem, aproveitem ao máximo porque em janeiro estou de volta preparando a pré-temporada. O resto é comigo - disse, acrescentando: a recomendação que a gente faz é simples, não esquecer o lado profissional. O Pico depende hoje da perda de peso para voltar em condições de iniciar um trabalho com grupo. Ele sabe o que tem que fazer. Não há nenhuma recomendação da minha parte. Falta perder ainda em torno de três, quatro quilos, com o ganho que teve de massa magra, para poder estar no peso ideal. 

A voz da experiência 
Hoje, Juninho Pernambucano observa do outro lado. Está aposentado do futebol e trabalha como comentarista, analisando o que vê em campo. Mas usa da sua experiência para falar sobre o assunto férias. Na sua avaliação, um jogador de alto nível não pode se permitir ficar de descanso um mês inteiro. No caso, sem realizar atividade física e controle de dieta. No período em que atuou especialmente no Lyon e no Vasco sempre se preocupou em já sair de férias com um cronograma de atividades que ia crescendo de dificuldade e intensidade ao longo das semanas. Isso porque, julga, a profissão de jogador de futebol é diferente de todas as demais. - Vou ser sincero. Um atleta de alto nível não pode se permitir ficar de férias um mês. Quando você é jovem, mais veloz, a recuperação é rápida. Brincando, jogando futevôlei, você fica bem condicionado. Mas o ideal, hoje, é que você saia para as férias já com uma programação passada pelo preparador físico. 
Na primeira semana, faz um pouco de musculação. Na segunda semana, joga um tênis, um futevôlei, algo que se goste. Na terceira, passa a treinar mais forte. E na quarta, mais ainda, de três a quatro dias por semana, para voltar bem. Não tem como ficar um mês inteiro parado. Perde-se musculatura, corre-se o risco de se lesionar. Tem de ter consciência. É uma profissão diferente de todo mundo - explica. Os anos em que passou na França, entre 2001 e 2009, foram os que mais aprendeu sobre o assunto. Lá, lembra, todo mundo recebia um programa. Algo que não aconteceu antes e, depois, ao retornar para o Brasil. - Sempre fui muito estressado com relação a isso. Aprendi muito depois de ir para o Lyon. Todo mundo tinha um programa. Aqui (no Brasil), ninguém nunca passou nada. É importante extravasar toda a pressão, descansar, comer, beber. Mas tem de entender que as coisas são diferentes para o jogador. Ele depende do corpo dele. É importante manter a musculatura forte e seguir com trabalhos de prevenção, como fisioterapia e reforço muscular - conta. 

Se Juninho é um exemplo de rigidez e esforço no período de férias, o ex-jogador não pode falar o mesmo de alguns boleiros com quem conviveu ao longo da sua carreira. Segundo Pernambucano, havia atletas que chegavam até dez quilos acima do peso para a pré-temporada, o que comprometia o trabalho dos preparadores físicos no começo do ano. - Tem jogador que já vi chegar até dez quilos acima do peso. Com isso, ele não vai poder treinar forte, porque, se treinar, pode lesionar. Isso aqui no Brasil... No Lyon, nunca vi jogador chegar assim. Mas já melhorou muito. Isso depende muito de casa um, do objetivo de vida de cada um. O cara que tem problema de peso também, tem de ficar mais alerta que os outros. E colocar na balança o que gosta mais. "Gosto de cerveja?". Então, ok, tomo. Mas vou ter de treinar mais que os outros para compensar. Tem de se sacrificar um pouco - finaliza.