Fonte: Revista Brasileira de Educação Física e Esporte
Autores: Victor Hugo FREITAS, Eberton Alves de SOUZA, Ricardo Santos OLIVEIRA, Lucas Adriano PEREIRA, Fábio Yuzo NAKAMURA.
RESUMO
O objetivo desse estudo foi analisar o efeito de jogos de futsal realizados em dias consecutivos sobre o desempenho em testes de saltos verticais e sobre o estresse e a recuperação de atletas dessa modalidade. Participaram deste estudo 11 atletas do sexo masculino (24,3 ± 5,0 anos, 1,73 ± 0,07 cm, 75,7 ± 9,0 kg, 11,2 ± 4,1% de gordura), pertencentes a uma equipe de futsal. A equipe foi monitorada durante a fase final dos Jogos Abertos do Paraná, com jogos realizados em quatro dias consecutivos. O RESTQ-Sport foi aplicado antes e após a competição, e os testes de "squat jump" (SJ) e de salto vertical com contramovimento (CMJ) foram realizados na manhã de todos os dias de jogos.
O SJ apresentou uma provável diminuição (0/34/66%) antes do segundo jogo comparado com antes do primeiro, uma muito provável diminuição (0/3/97%) antes do terceiro jogo comparado com antes do primeiro e uma provável diminuição (2/20/78%) antes do quarto jogo comparado com antes do primeiro. O CMJ apresentou uma provável diminuição antes do segundo (0/19/81%), terceiro (3/20/77%) e quarto jogo (1/10/89%) em relação à antes do primeiro. A escala recuperação física do RESTQ-Sport foi menor no pós-competição, comparada com o pré-competição (p < 0,05) e a escala fadiga foi maior no pós-competição comparada com pré-competição (p < 0,05).
A diferença entre o Σ das escalas de recuperação e o Σ das escalas de estresse no pós-competição (7,5 ± 9,8) foi menor que o pré-competição (9,8 ± 9,1; p = 0,03). Em conclusão, o decréscimo no desempenho de saltos verticais e as alterações deletérias nas escalas do RESTQ-Sport sugerem que houve acúmulo de fadiga ao longo de jogos de futsal realizados em dias consecutivos.
A PESQUISA
O futsal é uma modalidade esportiva de natureza intermitente com esforços de alta intensidade e curta duração (2-3 s), intercalados com breves períodos de recuperação (20-30 s) 1, somados a constantes mudanças de velocidade e direção. Dessa forma, durante a partida há uma elevada exigência dos sistemas aeróbio e anaeróbios para o suprimento de energia. Tais exigências metabólicas levam a uma elevada frequência cardíaca média (~90% da frequência cardíaca máxima) durante as partidas, as quais são disputadas em dois tempos cronometrados de 20 minutos podendo, dessa forma, uma partida ter a duração real de aproximadamente 80 minutos.
No Brasil e em outros países, equipes dessa modalidade podem disputar de dois a quatro jogos por semana, realizados em dias consecutivos em competições de menor duração, como por exemplos os Jogos Abertos do Interior. A alta intensidade das partidas de futsal provoca dano muscular, inflamação e redução da função muscular. Dessa maneira, apesar da necessidade de níveis adequados de recuperação para um bom desempenho nas partidas, o intervalo de tempo entre jogos realizados em dias consecutivos pode ser insuficiente para promover uma recuperação adequada aos jogadores.
Em outros esportes coletivos, foi demonstrado que atletas de basquetebol, por exemplo, apresentavam fadiga acumulada refletida no menor desempenho em teste de salto vertical durante um campeonato com jogos em dias consecutivos. Resultados similares também foram encontrados em jogadores de futebol. No entanto, essa problemática não foi investigada no futsal durante um campeonato com essas características.
Os sintomas de fadiga observados após exercícios intensos são refletidos em marcadores psicofisiológicos e no desempenho em testes físicos. Dessa forma, testes de desempenho, bem como questionários com indicadores psicológicos específicos para o esporte, são boas estratégias para avaliar fadiga ocasionada por exercícios intensos.
Neste sentido, o teste de desempenho no salto vertical se mostra sensível para identificar a fadiga após partidas de futsal e rúgbi. A diminuição da função muscular observada a partir de testes de salto vertical é relacionada com a fadiga metabólica e neuromuscular e com o dano muscular ocasionado pelo exercício, podendo permanecer por vários dias. Já o Questionário de Estresse e Recuperação para atletas (RESTQ-Sport) é amplamente utilizado como uma ferramenta sensível para identificar alterações no balanço estresse/recuperação de atletas de várias modalidades. O RESTQ-Sport é uma ferramenta simples, de baixo custo operacional e de fácil aplicação, que pode fornecer informações importantes relacionadas a essas variáveis durante um campeonato com jogos realizados em dias consecutivos.
Conhecer o impacto de jogos realizados em dias consecutivos sobre o desempenho em testes físicos simples e o balanço entre estresse e recuperação em atletas de futsal é necessário, pois possibilita planejar estratégias de recuperação adequadas de maneira a preservar a integridade física dos atletas e potencializar o desempenho nos jogos. Assim, o objetivo desse estudo foi analisar o efeito de jogos de futsal realizados em dias consecutivos sobre a potência muscular em saltos verticais e o balanço entre estresse e recuperação de atletas dessa modalidade. A hipótese desse estudo é que alterações negativas no balanço entre estresse e recuperação e queda do desempenho em testes de saltos verticais ao longo dos jogos consecutivos seriam registrados.
DISCUSSÃO
As principais constatações deste estudo foram que a altura alcançada nos testes SJ e no CMJ diminuíram ao longo da competição. Além disso, houve uma diminuição no escore do RESTQ-Sport relacionado à recuperação física e um aumento no escore relacionado a lesões pós-competição comparado com o momento pré-competição. É possível notar também que a diferença entre o somatório das escalas de recuperação e o somatório das escalas de estresse foi menor pós-competição, comparado com o momento pré-competição. Esses resultados confirmam a hipótese inicial desse estudo.
Os movimentos executados pelos membros inferiores nos jogos de futsal como correr, saltar e andar utilizam, em sua maioria, ações de ciclo alongamento-encurtamento (CAE). Exercícios exaustivos com esse padrão de movimento podem induzir alterações musculares com consequentes alterações reflexas que podem proporcionar diminuição no desempenho nos saltos verticais que envolvem o CAE. Horita et al.25 apontam para uma maior sensibilidade de testes com CAE à fadiga ocasionada por exercícios dessa natureza quando comparados a testes que envolvem ações puramente concêntricas. Por outro lado, as adaptações ocasionadas pelos constantes treinamentos específicos para a modalidade podem ter ocasionado efeito protetor do exercício repetido, refletindo em menores alterações deletérias ao CMJ.
Assim, a sensibilidade dos testes de saltos verticais mostrou-se semelhante para identificar a ocorrência de queda da função muscular ao longo dos jogos, com uma maior magnitude observada no teste de SJ.
Embora os resultados apresentados no presente estudo não permitam apontar o mecanismo responsável pela diminuição no desempenho nos testes de salto ao longo dos dias, um dos principais fatores relacionados à queda da potência muscular nos dias seguintes aos jogos pode estar relacionado ao dano muscular ocasionado pelo exercício. Nesse sentido, de Moura et al. demonstraram um aumento nas concentrações plasmáticas de creatina kinase (CK) e em processos inflamatórios imediatamente após uma partida de futsal. Com isso, os autores sugerem que partidas dessa modalidade podem ocasionar dano muscular. Isso, por sua vez, pode ter contribuído para a redução no desempenho nos testes de saltos nos dias subsequentes aos jogos de futsal reportados no presente estudo.
Outro mecanismo que pode ter influenciado nessas respostas é a fadiga de baixa frequência. Devido às ações repetidas do CAE realizadas durante jogos de futsal, a fadiga de baixa frequência pode ter sido desencadeada, principalmente, por uma menor liberação do cálcio do retículo sarcoplasmático, o que por sua vez pode prejudicar o acoplamento das pontes cruzadas, diminuindo a força de contração muscular. Consequentemente, o desempenho nos testes de saltos pode ter sido comprometido.
Outro fato importante a ser destacado é que os valores médios percentuais de queda observados nos testes de SJ e CMJ (4 e 5 %, respectivamente) estão próximos aos valores de queda apresentados (~7%) no CMJ após consecutivas partidas de futebol e handebol.
Vale ressaltar que no estudo de Rowsell et al.28 a amostra foi composta por atletas juniores de futebol, e no estudo de Ronglan et al.29 a amostra foi composta de mulheres jogadoras de handebol. Desse modo, independente da modalidade esportiva ou mesmo da amostra dos estudos supracitados, parece que competições com jogos realizados em dias consecutivos provocam um percentual de queda aproximado em testes de salto vertical.
A mudança negativa das escalas recuperação física, lesões e da diferença entre ΣR e ΣE do RESTQ-Sport após a competição com jogos consecutivos de futsal apresentadas no presente estudo, sugerem que a competição ocasionou aumento no estresse e uma redução na percepção de recuperação dos jogadores de futsal.
Essas mesmas escalas foram alteradas em outros estudos, em momentos de treinamento intensificado no rúgbi, triatlo e natação, sendo relacionadas à fadiga acumulada nesses períodos. A alteração nas escalas do RESTQ-Sport no presente estudo pode ter alguma relação com a fadiga/dano muscular. No entanto, a relação entre esses dois constructos deve ser elucidado apropriadamente em estudos futuros.
Apesar das alterações na potência de membros inferiores observados nos testes de saltos verticais e as alterações de estresse e recuperação observadas pelo RESTQ-Sport sugerirem haver acúmulo de fadiga nos jogos de futsal realizados em dias consecutivos, não é possível afirmar que o desempenho dos atletas durante as partidas foi alterado. A queda do desempenho de corrida durante as partidas de futebol realizadas em dias consecutivos foi demonstrada no estudo realizado por Rowsell et al, o que sugere uma proposta de futuros estudos com o futsal e outras modalidades esportivas.
Além disso, estudos que investiguem os componentes fisiológicos responsáveis pelas alterações no desempenho são necessários para fortalecer os resultados do presente estudo e auxiliar na escolha da estratégia de recuperação adequada.
Conclui-se que o campeonato de futsal investigado, com jogos realizados em dias consecutivos, ocasionou queda de desempenho nos testes de saltos verticais ao longo da competição e alterações deletérias nas escalas do RESTQ-Sport ao final do campeonato. Isso mostra que competições esportivas organizadas com jogos em dias consecutivos pode comprometer o desempenho físico dos atletas, bem como alterar o equilíbrio entre estresse e recuperação. A sobrevida desses estados alterados, associados a correlatos fisiológicos e imunológicos, deve ser objeto de investigações futuras.